Os Salmos da Misericórdia - Parte 2

Continuação da reflexão sobre os Salmos da Misericórdia

Proposta: antes de ler a presente reflexão, faça uma leitura orante dos salmos 41,42 e 43 em sua Bíblia.

3. Salmo 41. Neste salmo domina o tom da súplica: um doente dirige-se ao Senhor para ser liberto de sua enfermidade, na sólida certeza de que a sua oração será atendida, porque o Senhor é piedoso. Podemos dividir esse poema em quatro partes.
Vv. 2-4. Hino sapiencial. É um bem aventurado, aquele que pode se aproximar do Senhor com confiança, pois goza de sua proteção nos momentos mais difíceis. Assim se proclama feliz quem ama a Deus e se faz solidário com o próximo.
Vv. 5-10. Lamento contra o inimigo. A relação delito-castigo aparece nas palavras do orante, que invoca sobre si o perdão divino: reconhecendo, pois, a própria culpa, ele espera a sua cura. Ele não parece preocupado com o castigo divino, pois confia em Deus, mas teme a presença dos inimigos. A falsidade desses supostos amigos torna particularmente desagradável sua visita, até porque eles, ao saírem da casa do doente, desafogam a sua maledicência, pois julgam que ele esteja doente por própria culpa. Quando um amigo atraiçoa, há sempre um misto de surpresa e de desilusão. Os gestos de intimidade (comer juntos) são evocados com particular angústia e lidos à luz da nova situação de solidão.
Vv. 11-13. Profissão de fé. O salmista tem plena fé em Deus, por ter sido liberto dessa condição indigna. Por trás dessa confiança há também o desejo de que Deus retribua à tal maldade.
V. 14. Releitura comunitária. A experiência única e irrepetível do orante é acolhida no patrimônio de fé da comunidade e consignada à oração de todos. Neste versículo, a bênção dirigida ao Senhor e a menção de Israel fecham a composição, conferindo-lhe um tom positivo e doxológico (= de louvor).

4. Salmos 42 e 43. Originalmente formavam um único salmo, algo comprovado por alguns elementos que se repetem. Podemos subdividi-lo em três momentos:
42,1-6: Nostalgia do passado. O poeta projeta a sua imagem num animal, o cervo, para falar de sua busca inquieta de Deus, mas quando ele poderá contemplar a face de Deus? O salmista encontra-se afastado de Deus, talvez esteja no exílio, já que se recorda de suas peregrinações ao Templo. Ele descreve um estado de desgaste interior. As lágrimas como alimento são uma metáfora da dor profunda e prolongada. Há uma pergunta por Deus, em tom sarcástico que vem pronunciado, provavelmente, pelos opressores (babilônicos). Isso torna ainda mais penosa a condição do orante. No v. 6 ele descreve seu estado de tristeza e desconforto, mas logo depois ele se reabilita diante de Deus, pois pode continuar a louvá-lo.
42,7-12: O presente amargo. A tristeza da condição presente (do exílio) torna ainda mais áspera a recordação do passado. O elemento aquático reaparece, mas de modo negativo. Foi Deus que os levou para longe da terra prometida, como punição por seu pecado. Mas em meio dos castigos e tormentos, aparece a misericórdia divina como dom cotidiano que o Senhor oferece ao seu fiel, por isso ele louva a Deus, ao mesmo tempo em que eleva os seus questionamentos.
43,1-5: Com uma linguagem tipicamente forense, o orante pede justiça a Deus, porque se sente falsamente acusado. A luz e a verdade divina são como duas asas que podem leva-lo à montanha de Deus, ao seu templo e ao seu altar; retornam as imagens litúrgicas do início. Ele sabe que Deus agirá e isto torna menos amarga a condição de exilado, porque o Senhor habita no coração do orante, fazendo já sentir a sua presença.